Wednesday, September 20, 2006

O amor perdido pelo caminho

Certa vez o Malhado (do 'A sorveira e o Carvalho' ) e eu estavamos conversando e ele me disse uma coisa que me marcou profundamente.

"O ódio é o amor mal direcionado"

Parece filosofia de buteco, mas me fez ver o ser humano, que eu já estava começando a desprezar, sob uma luz mais favorável.

Me fez lembrar que somos todos feitos de um material mais nobre e mais durável do que mera carne, só que as vezes nos confundimos e atacamos aquilo que parece contrário ou opositor ao nosso amor... o pais vizinho, a outra religião, a outra cor, o outro time, a outra orientação sexual, o outro.

Nos faz causar dor ao próximo simplesmente por que este próximo não se limita à nossa visão do objeto amado, que pode ser ele mesmo. Então tentamos muda-lo e nessa tentativa terminamos destruíndo tudo a nossa volta, inclusive aquilo que amamos.

Tentamos tomar posse só para ver aquilo, ou aquele, que queremos nos escapar pelos dedos. Por que temos a necessidade de possuir, de guardar, de esconder dos outros? E por que, uma vez amando, temos a necessidade de mudar o objeto amado para adapta-lo à nossa imagem do que este deveria ser ao invés de aceita-lo?

Talvez não Freud, mas Satre explique. Ele diz que nos apaixonamos por uma imagem do ser amado - algo como uma fotografia - e não pelo ser amado em si, o ser completo. Será que é por isso que tantas vezes o 'amor' da errado?

Mas já estou viajando muito e esse é um assunto para tese de mestrado, não um blog perdido no espaço entre caminhos retos e linhas tortas.


Em homenagem ao amor, segue um texto de Julio Cortázar, mais precisamente o capítulo 07 do livro 'O jogo da amarelinha'.


Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

1 Comments:

At 2:47 PM, Blogger Malhado said...

Esta frase é do Dr. Edward Bach, o criador da terapia com essencias florais.

Fantástica, essa postagem. Devia ter falado mais e feito a tese aqui mesmo.

BJO!!! Obrigado pela lembrança!

 

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